quarta-feira, 18 de julho de 2007

Os desmazelados da República


O que mais revolta nessa tragédia é que ela estava prevista. Não precisava ser babalorixá, mãe de santo, vidente ou ter inspirações divinas pra saber. Tava lá, sendo pacientemente esperada, como um parto às avessas. Um parto de besta...

O esquema político-econômico que viceja esperava por isso, com toda a sua intrínseca falta de valores, com o descompromisso, com o descuido de quem só se preocupa com os beneficiários diretos e os cifrões...o de sempre.

Não há novidade nisso, além do saldo negativo de 186 corpos carbonizados num forno de 1000 graus, pro mundo ver. A dor alheia é sempre mais tolerável. A perda alheia é sempre digerível. E nada mais me convence que se isso tivesse acontecido numa outra época, quando a notícia não alcançava todos os cantos do mundo, as posturas seriam meramente de consternação e nada seria feito.

O que importa é continuará importando é quanto se ganha e quem ganha?
Sim, esse é o esquema. Esse é o truque, que eles acham que ninguém saca, que ninguém percebe.

O cara ganha a concorrência, salvo raríssimos casos, triplica o valor da obra, enche os bolsos, usa o material mais barato e a mão-de-obra idem. Entrega a obra. Especificamente, neste caso, a Anac não avalia corretamente (talvez porque nem saiba fazê-lo) porque não quer perder nada junto às Cias aéreas, que não querem perder mercado, afinal, preferem acreditar otimistamente na sorte e apostar em mortes, antes de apostarem em diminuir seus lucros. Mas a gente conhece o ditado: pela maquete se vê o prédio todo.

O Ministério da Aeronáutica alega que havia avisado muitas vezes, mas nada fez de mais enérgico, mesmo sabendo que ali estava se lidando com gente. Você compreende?
Eu, não.

E o ministro da Defesa não bota sequer a cara na tela pra oficializar que sejam os pêsames?

Dirão que se morre mais do que isso nos péssimos postos e hospitais públicos; que mulheres morrem todo dia porque não se legaliza o aborto, baseado em argumentos de fé; que meninos e meninas são condenados imediatamente após o nascimento, por um regime que despreza a vida humana e privilegia quem nasce com conta bancária em banco privado e paga pra nascer na rede particular; que o narcotráfico e a guerra nos morros mata muito mais. Verdade absoluta, que não desconsidera o argumento. Muito pelo contrário, só vem reforçar a tese da falta de seriedade dos nossos homens públicos.

Então, nesse tempo de desordem, tudo é tolerável? Até o limite da morte?

Não sei de que material essas pessoas são feitas. A mim, não me soa alheio o grito de dor da mãe que perdeu suas duas filhas, nem o choro desesperado de quem esperava o pai, um deputado da República, pra ir passear de férias nos States.

Meus queridos, esse avião caiu dentro das nossas casas... Nós todos somos as vítimas. Senão agora, em breve, desse mesmo esquema desmazelado.