quinta-feira, 29 de setembro de 2005

Fora de linha, fora dos trilhos, fora de série...

Eu fiquei devendo a história do casamento na Oca Ianomâmi.
Eu acho lindo de se ver essa comoção feminina em torno disso.
O povo todo na Oca esperava, sob o som de cantoras regionais de Alto Paraíso.
O noivo entrou muito tenso, andando rápido e depois da entrada dos padrinhos, ficou clara a falta de ensaio. Eu particularmente adorei isso.
E lá vem a noiva, deslumbrante!!! Com um vestido medieval em branco e amarelo-seco, com uma inacreditável coroa de ouro branco com flores de gemas brasileiras amarelinhas.Quando ela despontou na porta da Oca, romperam os aplausos, assovios e gritos.A mulherada em peso se desmanchou em lágrimas, acompanhado a noiva.
Éramos 200 convidados de todos os cantos. Gente de Brasília, amigos de São Paulo, de Minas, do Rio. A irmã da noiva veio importada da Indonésia e o resto da família, de Uberlândia. O pai do noivo veio dos States com a avó e a mãe veio do seu esconderijo em Friburgo.
O encarregado de "rezar" a cerimônia foi o Nadish - quem conhece sabe da doçura, da bondade e da transparência e o que significa só ter ele ali, de microfone em punho. Casado há mais de 20 anos com Taruno, formam um casal exemplar, fraterno, cúmplice, uma dupla de verdade. Só vê-los juntos já é uma beleza!
Ele chegou bem informal, rindo um pouco de nervoso, um pouco por ser dele mesmo essa tendência à felicidade. Veio falando de recriar uma nova matriz a partir do casamento, já que ali se finda a matriz anterior da família onde até então eram filhos, irmão, netos. Falou da importância de se tentar encontrar o seu caminho de felicidade dentro do relacionamento, respeitando, olhando pelo outro, prestando atenção nele, mas sem abrir mão de si mesmo. Comentou a importante tarefa de tentar descobrir na diferença o encantamento, que vai além da tolerância. E arrematou desejando sorte, felicidade e longa vida ao casamento que começava ali.
Em seguida, os padrinhos leram ou falaram de improviso, oferecendo aos noivos os seus votos e desejos.
Quando o irmão do noivo, Sargan, resolveu falar, a comoção foi geral. Ele leu num papelzinho, com a cabeça baixa, a voz embargada, com o sotaque americano tomando conta da dicção - coisa que não se percebe no dia a dia - e levou todo mundo às lágrimas.
Falou simplesmente que a única forma de se enfrentar as dificuldades, respeitar o par, crescer como uma dupla de verdade, sempre um ao lado do outro, e colher o resultado da felicidade e da satisfação é por meio do amor. Segundo ele, "essa força mágica que faz com que um par de olhos enxergue no outro o seu único par possível e que faz ceder até as pedras mais brutas". Depois disse que era preciso compromisso em construir, todo dia, uma relação de harmonia, de respeito e de fé. Já que fé nada mais é do que a crença num amor universal, que nos torna a todos iguais.
Mais aplausos, gritos e assovios. Fim das lágrimas...
E a festa começou!
Champagne, whisky, cerveja, vinho branco e tinto, coquetéis, salagadinhos di-vi-nos da Renata La Porta, assim como o jantar. Fundos de alcachofra, risoto de shitake, filet com ervas, camarão, massas. Um belíssimo bolo, cheio de flores do campo, muitas caixinhas com fotos em preto e branco dos noivos. Bombons finíssimos e aquele doce de amêndoas - pra mim é a única coisa produzida pela culinária alemã que me agrada ( depois das mostardas, é craro!) - que eu sempre esqueço o nome.
Dançamos até às 4 da manhã. Dormi até o meio dia, acordei pra um banho de rio, seguido de um banho de verdade na ducha natural que fica nos fundos da sede. Um suco de fruta, um pãozinho integral com geléia.
Voltando pra Oca encontramos Djs magníficos tocando e um churrasco de cordeiro em andamento!
Dançamos, rimos, comemos, bebemos, nos abraçamos e fomos embora com a certeza de que tínhamos realmente celebrado uma união. A dos noivos e a da nossa turma. A coisa mais linda foi perceber, sentir mesmo que tudo que havia em torno deles era amor e os melhores desejos do mundo.

***

Olha, o Jabor me deixou meditabunda desde 3ª feira.
Vcs leram a coluna dele no O Globo?

O título é "Manual didático de canalhogia" e ele encerra afirmando: "Ele (o canalha) é a inércia primitiva do país. Ele não é nem burguesia nem classe alguma; ele é a pasta essencial de que tudo é feito, ele é a História paralítica do Brasil, ele tem a grandeza da vista curta, o encanto dos interesses mesquinhos, a sabedoria das toupeiras, dos porcos e dos roedores. O canalha é a base da nacionalidade."

Eu me recuso, definitivamente, a acreditar nisso.

Somos o quê agora, um bando de Macunaímas bem adestrados para a perpetuação do status quo? Um monte de macaquinhos treinados pra tomar, não o lanche, mas a carteira do moço desavisado e bonzinho?

Jabor é brilhante, fluente, convincente...um pe-ri-go! Ainda mais com aquela cabeleira prateada.
Eu amo o que ele faz e quem ele parece ser de um jeito quase incondicional, mas ele não é o Chico.
E é aí que ele se enrosca...porque é quase.
Não posso, mesmo nos meus piores pesadelos, aceitar isso.
Somos um povo danado, feliz, sorridente, acolhedor, tolerante (às vezes até demais), feito de tutano e nervos à flor da pele. Somos uma mistura danada de boa, cepa das melhores uvas, licor dos melhores tamarindos, geléia fina das jabuticabas graúdas. Podemos ser um tanto quanto agri-doces ( eu sei que não tem hífen), mas somos doces-doces, a maior parte do tempo.
Não somos?
Um povo que sobreviveu aos europeus e se fez essa coisa deslumbrante apesar deles.
Isso é determinação, não é seleção natural!
A gente herdou um monte de coisas e, se não me engano, veio no pacote essa história a que Jabor se refere.
Isso nos foi empurrado goela abaixo. O conseguimos fazer com isso desde então não é o ideal, com certeza. Mas pode ser. E esse festival de sujeira e canalhice explícita não deve servir só pra gente se envergonhar. Não pode servir só pra isso.

***

Teve um sujeito que me escreveu dizendo que não quer saber a minha opinião sobre "as coisas", assim mesmo, entre aspas.
Portanto, eu não sei o que ele anda fazendo aqui.
Eu fiz que não era comigo e não respondi.
Ele insistiu e ainda se deu ao trabalho de colar citações minhas num segundo email...
Como eu não vou lá escrever pra ele, se ele aparecer novamente aqui, fica convidado a não voltar mais. Ninguém aqui quer obrigá-lo, meu senhor, a coisa nenhuma diferente da sua própria vontade.
Se quiser opinar, opine, discorde, discuta, argumente ( conhece o verbo?).
Mas se quiser chutar a minha canela, não vai dar.
Aqui a regra é clara e o cartão vermelho não é precedido pelo amarelo, ta certo?
Aah, e tem tanta gente melhor por ai...que tal descobrir uns blogs novos?
Quem sabe um dia você descobre que blog é isso mesmo, cada um do seu jeito dizendo o que pensa, sente, vive... sem compromisso, sem exigência formal, sem se preocupar com a linha...
E se é linha que vc procura, o armarinho da esquina tem de montão, aqui vc tá mais pra encontrar uma criatura fora de linha, fora dos trilhos e fora de série ( modéstia a parte!).