sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Virose de inverno e outras coisitas más

Fiquei esse dias em casa, cuidando de sarar meu caçula de uma virose de inverno ( sim, o cara estuda 4 anos, faz mais 2 de residência, ainda tem mais num sei quantos de especialização, quando não tem mestrado, doutorado e pós-doc, fora a experiência clínica de vinte e tantos anos, pra dar a tudo quanto é mazela sem nome o título de VIROSE). O fato é que ele ficou ótimo e eu fiquei de cama, com...virose de inverno.

Mas nada como uma canjinha, um colinho, uns tantos cafunés e afofações familiares pra melhorar qualquer quadro.

Ainda vou reivindicar isso como tratamento clínico, cês vão ver. Ordens médicas, beibes...não posso fazer nada!

Então, resumindo a opereta, estou de molho até segunda ordem.


***


O meu filho caçula, anteriormente apresentado aqui, Caio, o terrível!, estuda em escola pública por uma questão meramente de inclusão e tratamento.

Explico melhor: a escola particular insistiu em me orientar a " parar de estimulá-lo", "deixar de dar a ele informações excessivas e estímulos demais"...sim, isso já me veio por escrito, com a assinatura de uma pseudo-pedagoga embaixo.

Ele recebeu das moças bem formadas e atualizadas da escola particular um tratamento de isolamento, recebeu um rótulo e toda a discriminação possível dada a um menino que tem um comportamento além da sua idade cronológica. Inclusive no que diz respeito à argumentação, curiosidade, relações sociais e maturidade emocional.

Vai daí que o ano passado me desgastou nas relações com o colégio (eu era convocada ao colégio uma vez por semana, no mínimo!) e fez de mim uma mãe indesejada, incômoda, perturbenta(porque eu ia ao colégio mesmo sem ser convocada, quando percebia alguma atitude, digamos, confusa em relação ao meu filho)... e me deixou de maus bofes com tudo quanto se dissesse a cerca da rede particular de ensino.

Procuramos de centros de educação Waldorf a escolas construtivistas, mas Brasília padece de um provincianismo atroz nesta seara. Daí, ele ter caido numa escola tradicionalíssima, com tudo de burro e ruim que isso pode oferecer.

Depois de um ano de tristes contatações sobre a incapacidade de lidar com as diferenças, resolvi procurar uma orientação, dicas, mães que tivessem seus filhos 'diferentes' acolhidos em alguma instituição que lhes desse a mínima sensação de pertencimento, que tivesse o mínimo de criatividade para lidar com isso.

Me foi indicado um pequeno Jardim de Infância, onde eu fui conversar e, plenamente convencida, matriculei o meu pequeno.

Estamos em agosto, o segundo semestre se inicia e eu tenho o imenso prazer de compartilhar, com quem quer que leia, o triunfo da escola pública sobre as isntituições de ensino particular!

Meu filho está feliz, aceito, acolhido, incluído, bem tratado e criativamente direcionado numa escola pública, que, além disso, o trata com atenção e afeto! Além de estar andando a passos largos na conquista da alfabetização.

Eu não podia estar mais feliz!

Ps: uma cópia desse desabafo foi entregue à direção do colégio.


***



Ontem, fiquei à toa pela net e tive uma conversa pra lá de linda e funda com o meu amigo Antônio Caetano, que trouxe a ele uma lembrança deste poema do Álvaro de Campos, que é uma per-fei-ção. Prestenção no ritmo:



Se te Queres


Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido?
O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbihonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...