quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Insanidades...

Os meus sonhos, esse território foggy & pantanoso. Cada vez que acordo e me lembro, me espanto mais .
Essa noite, eu era um desenho animado.
Fui sendo criada aos pouquinhos e o meu criador era uma pessoa do meu passado-presente.
Era uma sensação de prazer, a de ser desenhada, mas assustadora também.
Eu via/sentia o traço surgir, mas ao mesmo tempo temia que em algum pedaço de mim ele errasse, mudasse de idéia e fizesse de mim uma outra que não seria eu.
E se ele resolvesse me dar o nariz na mãe, os olhos da irmã, as pernas da vizinha, a bunda da ex-namorada?
Podia até ficar bom esse mix...mas dava a sensação ácida de que isso mudaria toda a minha vida.E foi um misto de prazer e sofrimento até o final, quando sai do papel e era eu mesma.
Era, sim. Me reconheci em cada centímetro desenhado por ele, com tudo que sempre foi meu... mas eu era dele e não de mim.
E foi daí que abri os olhos com Rayuela*, do Cortázar, na cabeça.
E procurei a parte que me remetia ao sonho. E é essa:

O Jogo da Amarelinha*

"Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água."