sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Enfim, o fim da Palmada

Câmara decreta fim da palmada
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou projeto de lei que proíbe aos pais dar palmadas nos filhos, sob quaisquer propósitos, ainda que de caráter pedagógico. A proposta segue agora para o Senado, sem necessitar passar pelo plenário da Câmara. Quem for pego dando palmadas nos filhos ficará sujeito às penas previstas no Artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente: encaminhamento a programa de proteção à família, tratamento psicológico, cursos ou programas de orientação e obrigação de encaminhar a criança ou o adolescente a tratamento especializado. São cinco os autores do projeto, todos petistas: Maria do Rosário (RS), Angela Guadagnin (SP), Selma Schons (PR), Luiz Couto (PB) e Fátima Bezerra (RN). ‘‘Os avanços obtidos pela sociedade brasileira ainda não são suficientes para romper com a cultura que admite a violência contra crianças’’, disse a deputada Maria do Rosário, que encabeça a lista de autores da proposta. (A Tarde – BA)

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O castigo físico em crianças foi introduzido no Brasil pelos padres jesuítas no século XVI, causando indignação nos indígenas, que repudiavam o ato de bater em crianças. A correção, como explica a historiadora Mary Del Priore, no livro História das Crianças no Brasil, era considerada uma forma de amor. O excesso de carinho devia ser evitado porque fazia mal aos filhos. A relação entre os pais e suas crianças teria de ser o espelho do amor divino, segundo o qual, amar é castigar os erros e dar exemplo de vida correta.(????????!!!!!)

Vixi...Eu, como não ando de mãos dadas com o pensamento da Santa Igreja Católica desde que o meu cérebro metabolisa informações e forma opiniões, não podia imaginar que tivesse havido outra origem pra isso.

Dai, num estudo de Michel Foucault (1977), pode-se saber que o uso do castigo físico faz parte de um sistema de controle de uma sociedade investida do sentido da ordem e da lei. A vigilância enreda a todos, e não apenas as crianças. As instituições do século 18, ligadas por uma espécie de ‘rede’ de crenças, valores e hábitos, geraram um sistema de vigilância, controle e punição desde a família, até prisão, passando pela escola ou serviço militar. A educação tradicional era autoritária porque podia impor, todo o seu saber e poder para “torcer o pepino desde pequeno”. Era um sistema educativo que acreditava ser preciso formar um cidadão “disciplinado” para ser “dócil” a nova ordem moderna. Mas em nossa época denominada pós-moderna querer resgatar o castigo físico como método educativo, além de ser um contra-senso é uma prática fora de lugar. Os pais que ousam bater nos filhos, no fundo, carecem de palavras e de espírito democrático. Funcionam como o terrorismo que através de seu ato – bruto, rude, bárbaro - pretendem eliminar o sentido das palavras e o valor do diálogo na construção do verdadeiro sujeito.

Mas, países de 1º. mundo, hoje, “autorizam” pais e professores de usarem os antigos instrumentos de castigos (ou tortura) como palmatória, chicotinho, varinha, corda, cinto, etc. Uma amiga que viveu durante um ano na cidade de Lion, França, disse-me que são vendidos chicotinhos especialmente feitos para bater em crianças desobedientes. A Inglaterra que ficou conhecida internacionalmente pela experiência libertária da Escola de Summerhill, só suspendeu o castigo físico do seu sistema educacional em 1989. Recentemente (2004) o parlamento inglês voltou a discutiu a necessidade de aplicar castigos físicos como medida educacional legítima. Nos países escandinavos, embora a educação seja rígida, existem leis que proíbem os pais usar violência contra seus filhos. As crianças podem fazer denúncias, e assistentes sociais ficam de plantão para evitar essa pratica.

Não faz muito tempo que Cingapura, país de regime político autoritário e um sistema financeiro importante, localizado na Ásia, impôs uma pena judiciária de chibatadas a um jovem norte-americano que transgrediu as severas leis daquele país.

Apesar do liberalismo ‘oficial’ e aparente permissividade educativa dos norte-americanos, a maioria da população dos EUA consultada não apenas aprovou a pena judiciária de Cingapura para o crime de tráfico de drogas como gostaria que sua justiça também fizesse uso de castigos físicos para transgressores da lei. Para reforçar essa atitude repressiva, uma pesquisa divulgada declara que 61% dos pais norte-americanos aprovavam castigos físicos como uma forma de punição válida, e 57% disseram acreditar que até mesmo bebês de seis meses podem merecer uma surra!!!!!!

Digam se isso não caracteriza bem os pais daqueles psicopatinhas que andam armados nas escolas, treinando como se mata homenzinhos nos videogames e se dessenbilizando pra miséria e a violência humanas, digam!

Quando eu estive na França, era muito comum crianças tomarem tapas, apertões, beliscões e similares, publicamente. No meio da rua ou nas escolas, apanhavam de pais, parentes, amigos dos pais e professores.

Quase fui apedrejada em praça pública por discutir com uma mãe que andava com os dois filhos numa coleira e ao atravessar uma rua bateu violentamente no rosto do filho mais novo por ele ter avançado meio metro na faixa de pedestres. Os transeuntes gritaram contra mim palavras de baixo calão para complementar suas idéias: "ela tá certa, ela que é mãe que sabe, não se meta...".

E será que existe mesmo uma diferença considerável entre a palmada e um tapa na cara e demais agressões?

Será que pros nossos filhos a tal "palmada pedagógica" não é absorvida como uma violência como qualquer outra?
Se eu já dei palmada nos meus filhos?
Já. Mas não concordo e me arrependo.
Acredito que o castigo imposto, como deixar de brincar, não assistir televisão, não ter acesso ao computador ou não descer pra andar de bicicleta e uma boa conversa possam resolver sem maiores prejuízos uma questão disciplinar. Ainda, sei que eles têm o poder de compreender o que se fala e podem mesmo, desde muito cedo, aprender a se colocar e a argumentar.

Eu aprendi com meu primogênito que eles são pessoas distintas e completamente diferentes de mim, com todas as características fisiológicas, emocionais, espirituais e mentais diferentes das minhas. Mesmo que em alguns momentos sejamos muito semelhantes, mesmo que fisicamente sejamos parecidos. Eles são OUTRAs pessoas. E é a partir disso que saio pra construir a minha relação com eles. Sei cotidianamente da minha responsabilidade na sua formação, compreendo que é a partir de mim e da forma como mostro o mundo a eles, como digo e ajo, como eles vêem que são as relações humanas é que eles vão se construir.

Isso exige mais tempo e paciência, torna mais lenta a resolução dos problemas do dia-a-dia, pede que eu tenha mais poder de argumentação e compreenda melhor cada fase de cada um dos meus filhos. Isso tem como pré-requisito a minha capacidade de ouvi-los também, porque esse caminho não tem como única função a repressão ou o pagamento de uma dívida por mau comportamento. Indo por ai, posso confessar que já descobri mais de cada um deles e de mim do que eu poderia imaginar.

Para o psicanalista, professor do Departamento de Fundamentos da Educação (UEM) e doutorando na Faculdade de Educação (USP) Raymundo de Lima: "Educam bem os que usam bem as palavras e atos, acompanhados de olho-no-olho, de silêncio grávido de sentido.(...) Pais que falam palavras vazias, que fingem ser ‘amigões’, abdicando de sua autoridade de pais, podem estar cometendo uma fraude educativa. (...)Equilibrar palavras e atos assertivos, sem recorrer o uso de violência física, é fazer da educação uma arte e nova ética para uma nova geração que poderá ser mais democrática e mais feliz. "

E eu assino embaixo.