segunda-feira, 24 de julho de 2006

Menina-moça


Pra Júlia, minha afilhadíssima.



Tinha uma menina de olhos negros e sorriso largo
Tinha uma menina que morava ali.
Leve e solta como só uma menina sabe ser,
Levantava vôo por cima dos pés de manga.
Gargalhava correndo descalça.
Chorava sentida quando se feria.
Enchia a boca pra não dividir.
Gritava os meninos na rua.
Vivia com os bolsos carregados de contas.
Na sacolinha, sempre a boneca preta.
Nas mãos, sempre a mão de alguém.
Cantarolava musicas inventadas.
Imitava os passarinhos.
Dormia no meio do filme,
Com o pé no meio dos meus.
Alardeava na urgência de fazer xixi
E ria de tudo que era novo,
Mesmo que não fosse belo.
Dia desses, amanheceu silenciosa e quieta.
Os sapatos pararam nos pés.
Os vestidos ficaram mais longos.
A boneca largada num canto.
Ela deixou de assoviar.
Pendurou um brinco e um colar.
Desistiu de chamar os meninos
E nunca mais "avuou" por cima das mangueiras.
A mãe achou bom.
O pai estranhou.
Logo convocaram a madrinha.
Menina, menina, que foi?
Ela me olhou cúmplice,
fez um gesto,
cochichou no meu ouvido.
Pediu uma trança e um segredo.
E a moça de olhos negros e sorrigo largo
Anda rindo ainda mais de tudo que é novo
Mesmo que não seja belo.