terça-feira, 23 de janeiro de 2007

A menina

Sabe a menina da cidade que corre pro ano passar logo e poder ir pra fazenda?

Sabe aquela menina que mal chega já é a primeira a entrar e a sair e a fazer arruaça e a subir nos pés de fruta e se fartar de comer carambola, umbu, seriguela, manga, até ficar com a boca colada de mangaba?

Sabe aquela que no terceiro dia mancha os lençóis da cama num suor rosado de tanta jabuticaba?

Sabe aquela menina que sente uma saudade constante do mato, dos pássaros, do cheiro de orvalho da manhã, do calor do leite recém tirado, da luz escura da cozinha dos fundos da casa de fazenda?

Sabe aquela que monta o cavalo a pêlo e some no pasto a perder de vista?

Aquela menina tagarela que entra nas propriedades vizinhas, puxa papo, toma suco, esvazia as latas de biscoito de nata, conta causo e depois some feito ventania?

Pois, como eu ia dizendo, ela é a mesma que se perde de encantamento, mudinha a ouvir as histórias longas dos mais velhos e sabe todas de cor. É ela mesma que perde a hora olhando os tachos de cobre cheios de doces, mexidos pelas mãos fortes das mulheres. É ela que arremeda os tios e faz os primos rolarem de rir.

Um dia a menina acordou com a mesma saudade de antes, com a mesma vontade de antes, mas viu que era uma mulher. Pensou que já não podia falar tanto, correr tanto, trepar nas árvores e montar cavalo sem cela, nem imitar os parentes. E a vida a levou pra bem longe da fazenda, dos pés de frutas, dos cavalos e bois, do orvalho matinal, do canto dos pássaros, dos tios avós...Mas ela só precisa de uns poucos minutos, umas poucas mangabas tiradas do pé, um tacho girando uma compota de caju, um “Deus lhe abençoe” ou um cheiro de mato pra voltar a ter 11 anos.